quinta-feira, 10 de julho de 2008

Avaliação de Wilson Gomes - Primeira

Universidade Federal da Bahia
Faculdade de Comunicação
Professor: Wilson Gomes


Por Josciene Santos


Questão 2: A formação da opinião e da vontade públicas na democracia e o que a comunicação de massa tem a ver com isso.

Questão 5: O espetáculo político sob a produção do jornalismo: razões, modos e resultados.

Questão 7: Como os universos da comunicação e da política satisfazem e acomodam os interesses um do outro e o que tem o mundo dos negócios a ver com isso?

Questão 2:

A idéia de esfera pública apresentada por Jürgen Habermas passou a ser compreendida, a partir dos anos 90, de acordo com a noção de “deliberação pública”, e tornou-se um importante conceito para a corrente contemporânea de teoria democrática, ou democracia deliberativa.
O sistema republicano de democracia sustenta a idéia de haver discussões coletivas prévias a deliberação, nas quais a opinião e a vontade pública se formariam. É disso que trata Jürgen Habermas, Em Direito e Democracia. O autor discute os processos pelos quais são formadas a vontade e a opinião públicas. Para ele, esses processos têm como objetivos a comunicação e a busca de bom senso e como base necessária as interações discursivas. Somente dessa forma, as deliberações, decisões políticas, formulação de leis etc. seriam democraticamente legitimadas e as opiniões e vontades públicas justificadas.
“Formação de opinião e da vontade” é uma expressão que designa a geração da opinião, mas também a produção da decisão política. Sendo que a todo cidadão passível de ser afetado pelos resultados da deliberação deve ser oferecida a oportunidade de se envolver na discussão. O que equivale a dizer que tanto o resultado quanto o processo devem ser públicos
Faz-se necessário, então, uma interação discursiva. Através desta, é possível detectar problemas compartilhados pela sociedade e informar-se melhor sobre eles, criticar, argumentar, reformular pontos de vista etc. O essencial é que ninguém tenha a sua oportunidade de participar da discussão e nem seu direito de argumentar subtraídos ou intimidados.
Nesse contexto, há uma via institucional e outra não-institucional utilizadas para a realização do processo de formação da opinião e vontades coletivas. Pela via institucional, esse processo desemboca na formulação de leis e políticas. Nela, as interações discursiva e argumentativa, sem uso de violência, fazem-se necessárias, pois deve ter como resultado deliberações de aceitabilidade racional. Essa via seria o parlamento.
Já a via não-institucional/informal/autônoma compõe a esfera pública, espaço onde questões, informações, argumentos e pontos de vista dos componentes da sociedade civil é posto em circulação. Dessa forma, a comunicação pública informal tem como resultado a formulação das opiniões e vontades públicas – esta, entendida como um espaço onde as argumentações e pontos de vista apresentados livremente geram uma opinião pública.
Esse processo torna-se, então, um importante meio para a racionalização discursiva das decisões políticas, já que a opinião pública passa a orientar os usos que devem ser feitos do poder administrativo- que de fato toma as decisões.
Mas existem diferentes modelos de democracia. Dessa forma, a formação democrática da opinião e da vontade se apresentam de modos diferentes no regime democrático liberal e no republicano. Naquele, a manifestação da vontade pública tem um espaço reservado: as eleições, já a opinião pública não tem espaço definido nas constituições. O regime republicano, por outro lado, confere à manifestação da vontade coletiva e à configuração de opiniões públicas grande relevância, por entender que através destas se constitui a soberania popular.
Isso se torna um problema quando se sugere que a opinião e a vontade coletivas, produzidas na esfera deliberativa pública e democrática, são uma espécie de auto-governo.
A solução, então, é fazer a mesma distinção evidenciada nos regimes liberais entre Estado e sociedade, opinião pública e decisão política institucional, mas possibilitar que haja entre essas duas esferas mais canais e fluxos de comunicação.
Portanto, faz-se necessário a intermediação dos meios de comunicação de massa como espaço para o debate público e como mediadores entre as esferas política e civil. Assim, as posições que acarretem em conseqüências para a sociedade, devem ser colocadas em debate público, mediado pelos meios de comunicação, ou serão consideradas antidemocráticas e insensíveis à opinião pública.
Como conseqüência, às elites (detentoras de capital econômico e intelectual) é ainda dado o direito de participar diretamente do debate propriamente dito. Já à população o debate oferecido é aquele via meios de comunicação de massa. “Ao eleitorado se esclarece, se convence por persuasão, às elites pensantes se convence num debate” (Gomes).


Questão 5:

Toma-se aqui como metáfora a idéia de que atualmente, principalmente com o surgimento da televisão, os agentes políticos seriam atores que encenariam para seu público –a esfera civil– dramas diversos cujo objetivo seria convencer o público através de uma representação que, como o termo sugere, pode de alguma forma ser sustentada na realidade, mas não é a realidade em si.
Dessa forma, toma-se como pressuposto que o jornalismo impresso também seguiu a tendência à espetacularização, mas somente no que lhe era possível (a citar, textos pouco densos e narrativos). Mas é no jornalismo televisivo que se verifica melhor os espetáculos, visto que é baseado na imagem, assim como o espetáculo literal.
Apesar de ainda existir o discurso de auto-legitimação do jornalismo como representante dos interesses da esfera civil e de manter-se independente e vigilante da esfera política a fim de “desmascarar” os sujeitos políticos que objetivam enganar a esfera civil,a hostilidade do jornalismo face à esfera política vem perdendo dimensão. Aparentemente, o jornalismo aprecia cada vez mais o espetáculo. No entanto, ainda persiste o interesse em desmascarar os atores políticos, mas por (ou também) um outro motivo: o jornalismo almeja reter para si a função de dirigir/coordenar os atores políticos.
Dessa forma, a esfera civil assiste a dois espetáculos, um produzido pelo jornalismo–que faz a cobertura e edição dos atos, falas e relações dos agentes políticos–­ e outro realizado pela esfera política, mais especificamente pelas consultorias políticas e pelos políticos profissionais, que espetacularizam os atos, falas etc. dos atores políticos a fim de passar pela barreira imposta pelo jornalismo .
A necessidade observada pelo jornalismo de se adequar à lógica do entretenimento nos meios de comunicação de massa, destacando-se a televisão comercial, é um motivo que se ressalta quando se tenta entender o porque dessa mudança de posição e de atitude do jornalismo. Adequar-se ou não a essa lógica poderia significar a sobrevivência (ou não) do jornalismo dentro da cultura que se formava e ainda se forma, visto que os altos custos da televisão requerem alto investimento, geralmente provenientes dos anunciantes, que preferem investir nos programas que obtém maior audiência. Torna-se essencial, então, capturar a atenção do público e agradá-lo, afinal, nessa lógica, é ele o patrão. E este patrão, adaptado à indústria do entretenimento, aprecia informações leves, que não requeiram concentração, pois serão consumidas no seu tempo livre.
Assim como as outras editorias, a de política é marcada pela dramatização da informação. Eis alguns dos modos pelos quais se constroem os dramas: 1. as narrativas relatam e espetacularizam conflitos, o que implica em identificar antagonistas e, talvez, protagonistas, sendo estes o governo, quando tem grande apoio popular ou das elites, ou em caso contrário, a oposição; 2. Quando, porém, os personagens não são identificados como protagonistas ou antagonistas –situação apreciada pelo jornalismo- é o jornalista quem, através de sua narrativa, paternalmente, surge para mostrar ao público o suposto engano e as controvérsias da situação; 3. O jornalista, como detentor das possibilidades de edição e de seleção, é o responsável pelos enquadramentos dados às reportagens, podendo dar sonoras a este ou aquele político; selecionar protagonistas ou antagonistas em conflitos; construir personagens como instância moral e psicológica e, entre outros, tentar cativar as audiências dando um enfoque emocional às narrativas - característica típica do drama.
Como conseqüência da aproximação do jornalismo à indústria do entretenimento, vê-se uma submissão do primeiro em relação às normas e fórmulas desta, uma repetição de experiências que obtiveram êxito no passado. Na busca por audiência, o jornalismo produz ficção num ritmo industrial e rastreiam e alongam escândalos envolvendo personalidades políticas, muitas vezes escaramuçando suas vidas privadas. Dessa forma, a sociedade civil e a política, os leitores e os espectadores podem apreciar constantemente, nos telejornais e nos jornais impressos, um grande espetáculo da política.


Questão 7:

A política, a comunicação de massa e os interesses econômicos formam uma rede de multideterminações recíprocas, ou melhor, um sistema no qual se relacionam de maneira tensa, porém ainda assim, com encaixes. E, por mais paradoxo que pareça, a acomodação –mesmo que provisória e imperfeita, marcada por concorrências e parcerias –dessas três forças sociais é proporcionada por essa tensão. A vinculação entre partes com interesses tão distintos e contrastantes se torna possível porque cada uma delas possui um recurso fundamental que as outras objetivam. Os meios de comunicação, por exemplo, controlam a esfera de visibilidade pública, selecionando quem é visto ou não por quase toda a população do país - recurso muito importante para a política midiática, já que aquilo que (ou quem) está na esfera de visibilidade pública é considerado pela audiência como o que de mais importante está acontecendo no país, como atualidade digna de apreciação. A esfera política se situa dentro da esfera pública, logo, ela é submetida à seleção/construção de conteúdo feita pelos selecionadores da esfera da Comunicação. Ela é dependente dos meios, recursos, instituições e agentes desta.
Assim como para as indústrias do entretenimento, para a grande imprensa é essencial capturar a atenção das audiências, já que disso depende seu financiamento. Mais além, a indústria da informação tem necessidade de produzir informação política interessante, pertinente e em larga escala num período de tempo relativamente pequeno. Para tal, jornalistas criam vínculos com fontes localizadas no interior da esfera política que lhes fornecem informações privilegiadas, sem as quais eles teriam maiores dificuldades de descobrir as histórias e interpretações, muitas vezes sigilosas, sobre o mundo político. Em troca, o jornal compromete-se a “cuidar” da imagem da fonte ou dos interesses que ela representa.
Mas a imagem do veículo onde tal informação foi divulgada, e a do jornalista, também se tornam mais positivas. Conseguir informações exclusivas, corretas e objetivas e publicá-las garante distinção e importância frente à esfera civil. Como conseqüência, são gerados audiência e assinantes, além de prestígio dentro do campo jornalístico. A legitimidade alcançada é, então, na lógica capitalista, repassada aos anunciantes, que pagam parte da conta.
Nos regimes democráticos de massa, para alcançar grande parcela dos possíveis eleitores, a política precisa tornar-se midiática, logo, é necessário apoiar-se na comunicação de massa e nas lógicas e linguagens que esta impõe. No entanto, ao ser assimilada pela comunicação de massa, ocorreram algumas mudanças na natureza da política – agora midiática e espetacularizada– ao mesmo tempo em que ela passou a ter que arcar com o alto custo advindo do padrão industrial adquirido.
Nem todos os profissionais com competência comunicativa estão situados dentro da indústria da comunicação. Alguns deles, aqueles capazes de preparar produtos em padrão industrial com qualidade e de acordo com a lógica da indústria de comunicação de massa e aptos a lidar com a imprensa, propaganda e pesquisa de opinião, são contratados pelo mundo da política, principalmente nos períodos eleitorais a fim de planejarem as campanhas e “moldarem” as imagens públicas dos clientes, os políticos. Aqui, o salário desses profissionais é geralmente maior, o que acarreta em tornar a atividade política midiática ainda mais cara. E seu custo torna-se muito alto para ser bancado pelo domínio político.
Nesse contexto, faz-se presente o mundo dos negócios bancando tais despesas. Principalmente durante as eleições, o domínio das atividades privadas destina uma grande quantidade de dinheiro para financiar as campanhas.
Esse financiamento se dá devido a um jogo de interesses: os meios de comunicação capturam a atenção do público, o qual o mundo político quer transformar em eleitores. Logo, a política precisa dos meios de comunicação de massa para convencer os espectadores/eleitores. Mas, como o universo da política midiática é caro, é necessário que um terceiro pague a conta, no caso, o mundo dos negócios, que possui o capital financeiro. Para tal utiliza-se como método a barganha cujo pressuposto é que, caso o político que teve a campanha financiada por determinada empresa seja eleito, este recompensará a respectiva empresa.
Por outro lado, o domínio da comunicação obtém benefícios do domínio dos negócios trocando vantagens editoriais por dinheiro, favores ou mesmo empréstimos.
Há casos em que o agente político opta por não somente buscar o capital do domínio da comunicação, mas também ter sua própria empresa do ramo. Essa seria uma forma apolítica de obter capital comunicacional.
Por fim, mais dois casos: 1. proprietários de empresas de comunicação exercem influência no campo político ao coagir ou ameaçar seus agentes e 2. graças ao seu potencial para influenciar a opinião pública, o campo comunicacional “trabalha” a opinião do público para que os políticos acreditem que a esfera civil pensa da mesma forma que tais veículos.
Os feitos e representações da política midiática são realizados na e para a cena pública. No entanto, o mesmo não se pode dizer dos interesses e recursos da política, da comunicação e dos negócios privados que se esforçam para manter-se invisíveis aos olhos do público civil. Há um perigo que ronda todas essas trocas de favores/negociações feitas às escuras: caso sejam descobertas podem se tornar escândalos que ganham grandes proporções nas sociedades de democracias de massa.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

O Impeachment de Collor de Melo: Cobertura ou Construção da Mídia?



Por Josciene Santos


Não é necessário ser um observador perspicaz para notar que no Brasil –como em grande parte o mundo– há ma forte relação entre política e mídia num processo e retroalimentação do qual ambos saem modificados. Mas, além disso, o Brasil possui uma característica –que não pertence unicamente a ele– responsável por tornar esse relacionamento repleto de excentricidades. Claro, a característica da qual se fala é a corrupção, elemento há muito conhecido pelos brasileiros em todos os campos, mas com certo destaque para a política.
Contudo, alguns períodos da história política do Brasil recebem maior atenção quando se busca observar os momentos em que a relação, hoje em dia fundamental, dos mídias com a política são mais explícitas e corrosivas, tomando partido. São muitos os casos: As eleições presidenciais de 2006 e 2002; a participação nas diretas já!; as eleições de 1989; todo o governo Collor,; o governo FHC e, claro, o processo de impeachment de Collor, que será o objeto de estudo deste ensaio.


Em todo o caso Collor, há um forte poder elucidativo da interlocução entre mídia e política, expressando uma articulação bastante complicada e inovadora.
O processo de impeachment, entendido como todo o decorrer do episódio iniciado com as “denuncias de corrupção, as CPIs, mobilizações, afastamento provisório, julgamento pelo senado e punimento” (RUBIM, 1999), sem dúvida, foi um movimento de certa forma privilegiado de realização política, no que se refere a uma nova mudança na direção do poder de Estado Nacional ocorrida, pela primeira vez , dentro da legalidade e de acordo com o poder civil, recredenciando o poder legislativo e colocando boa parcela da população em movimento nas ruas, muitas destas em sua primeira participação/experiência política, enfim, “abre possibilidade real de uma significativa redefinição ético-política da gestão da coisa pública no país até então submersa a uma selvagem tradição de apropriação daquilo que é público por interesses privados, através de inúmeros expedientes, dentre eles a corrupção”(RUBIM, 1999). Dessa forma, o impeachment e todo seu processo funcionam como momento ou movimento de possível reformulação da prática política no Brasil.







O privado e o público indistintos


Mas esse cenário de intensa manifestação de atividade política é antecedido por um outro, no qual Collor sente-se completamente à vontade com a mídia. Ambos colaborando reciprocamente. Sem dúvida, essa foi uma importante característica do governo Collor. Ele inaugurou uma modernidade midiática na política, na medida em que utilizava os novos meios tecnológicos a seu favor, como ferramenta de visibilidade para a construção de um imaginário social e conseqüente formatação da opinião pública.
Através de “pesquisas, temas, elementos e qualificações procedentes de cenários conjunturais” emerge a modernidade de Collor: visto como um jovem, como de fato o era, contrapondo-se ao velho, enfrentando a corrupção, um político não político, diferente dos que a população estava habituada a ver nas campanhas eleitorais. Tomado pelo estilo populista, Collor falava aos descamisados como se não houvesse intermediários entre eles: “minha gente”, “Casa da Dinha”, etc. As imagens que eram levadas ao espectador/leitor/eleitor eram a de um presidente esportista, intelectual, soldado, quase um super-herói montado em seu jet-ski, ou na moto Kawasaki, na ferrari, no Mirage, ultraleve, submarinos, carros de combates militares, etc. Dessa forma, o privado tornava-se público. E o que deveria ser público privado: “O que deveria ser vida privada, portanto íntima, de um dirigente político preenche de assalto os tempos de exposição pública inerentes ao exercício da vida política/pública, com o estímulo e conivência de Collor e da mídia” (RUBIM, 1999)
No que se refere aos assuntos públicos, a mídia tomada de amores por Collor e correspondida por este, fazia mutações em temas relevantes, mudando a essência de certos fatos a fim de não mostrar a dimensão pública destes. O que falar do caso em que o envolvimento de Rosane na corrupção da LBA foi mostrado ao público como se a crise na gestão fosse somente uma crise conjugal? A política torna-se privada e personificada na figura de um único homem: Collor de Melo.
Mas essa privatização da política contaminou todos os escalões do governo:

“No affair entre o ministro Bernardo Cabral e a ministra Zélia Cardoso de Melo confunde-se o público e o privado. No desenlace, a apolítica capitula ante os encantos da personalidade . Outra vez privatiza-se a política, agora com direito inclusive a registro novelístico”
(RUBIM,1999).

Porém, é necessário notar que a privatização da política não é linear. Ela comporta diversos eixos e movimentos de atuação, distintos e quase ocultos. Se o presidente Collor, num primeiro movimento, privatiza a política levando a público por intermédio dos midias o que deveria ser privado, em outras situações o que se buscou foi afastar dos olhos públicos assuntos que seriam de interesse popular. Dessa forma, privatizar a política passa ou deve ser entendido como a omissão de algo público

“porque atinente, antes de tudo, a uma lógica de realização e resolução sempre compartilhada, através de um recurso ao privado. Ou seja, reduz-se algo de pertencimento público à esfera do privado, camuflando-o. Isto é o que acontece no caso da santa aliança que une Rosane, Collor e LBA”.
(RUBIM, 1999).


Nota-se um enfraquecimento da distinção entre o público e o privado. E, claro, a mídia foi ativa nesse processo ao destacar na conformação das configurações que constituem a contemporaneidade, sua sociabilidade e redefinição de valores e dimensões. Graças a sua característica de tornar público, de dar visibilidade social aos atos e falas de variados outros campos sociais, a mídia proporcionou ao público invadir espaços originalmente privados. Ao passo que, por vezes, negou-lhe a possibilidade visualizar assuntos de interesse público.
Indo por essa lógica, num dado momento a privatização do público deixou de ser meramente simbólica e passou a realizar-se no mundo da corrupção, tendo como agentes políticos se apropriando de bens públicos, pertencentes à sociedade e instalados no Estado.
Volta-se, então, à velha herança cultural política brasileira de privatização em massa dos bens públicos, mas com a corrupção em larga escala como agravante. E foi justamente devido a esse processo que o governo Collor e todo o imaginário em volta dele e de sua presidência.
A privatização, no governo Collor, se radicalizou. Além disso, parecia ser regra geral corromper. Porém, a democratização da corrupção não durou muito. A voracidade do presidente e de seus amigos fez com que a corrupção, há muito institucionalizada no país, caísse em monopólio de excessões. Por vezes, o esquema de privatização do patrimônio estatal reivindicado por Collor foi deixado em segundo plano devido ao embate em torno das zonas e dos ganhos. O que importava era como fazer para obter maior lucro ilicitamete. Dessa forma, governar tornava-se tarefa difícil, tendo como acréscimo a dificuldade proporcionada pela crise vivida pelo país. Enquanto isso Collor de Melo transitava jovem e atlético pelos jornais, revistas, TVs e rádios.


O Começo da Crise




Essa radicalização da privatização, em diversas dimensões, acabou provocando um esgotamento das fontes. E o queridinho da imprensa brasileira foi aos poucos perdendo sua graça aos olhos da mídia. O erro de Collor foi justamente apoiar-se numa visibilidade adquirida apenas pela simpatia da mídia e não calcada numa gestão pública realmente eficiente, capaz de gerar resultados notórios positivamente. A mídia tem uma triste tradição de elencar favoritos e destituí-los vorazmente assim que não apresentem mais interesse para seus propósitos. Collor foi um destes.
Agora, sem enxergar no presidente uma atração digna de ocupar espaço em suas páginas ou telas, a mídia passa a procurar uma outra notícia, também capaz de conquistar o leitor/espectador, para o público.
São muitos os escândalos que levaram ao impeachment de Collor. Em 1990, surge um dos primeiros escândalos, envolvendo o ex-secretário dos transportes Marcelo Ribeiro por dispensa de licitação na contratação de empreiteiras para o programa SOS Rodovias, cujo orçamento foi por volta de 500 milhões de dólares. Já no mês seguinte, mais uma vez contratou sem licitação as agências de publicidade Giovanni e Setembro, ligadas à campanha de Collor. Em outubro, o presidente da Petrobrás, Luiz Octávio da Motta Veiga, pediu demissão e denunciou pressões de Paulo César Farias e de Marcos de Coimbra, secretário-geral da presidência, para aprovar empréstimo de 40 milhões à VASP, já privatizada e controlada por Canhedo. Em 24 de outubro do mesmo ano, ao flagrar pela primeira vez a atuação de PC Farias nos subterrâneos do governo Collor, a Isto É publicou uma reportagem de capa intitulada ‘Ele complica a vida no governo’. Os escândalos Continuavam a sucederem-se, sem perspectivas de cessar, ainda que sem uma repercussão incisiva na mídia anestesiada ou na sociedade aparentemente alheia ao processo.
A partir do segundo semestre de 1991 os escândalos se intensificaram e adentraram 1992 sem dar tréguas, mas com um diferencial: ganharam grande notoriedade e visibilidade na mídia, alguns chegando até a ganhar dimensões desproporcionais ao seu valor real para a sociedade, a citar: os usineiros de Collor (junho de 1991), a festa de Rosane (julho de 1991), LBA de Rosane e parentes (agosto de 1991), fardas de Tinoco (outubro de 1991), bicicletas de Alceni (novembro de 1991), suborno de Magri e esquema PP (março de 1991).




É certo que a corrupção sempre foi figurinha presente na sociedade brasileira e ainda mais freqüente na vida política do país. E a mídia sempre soube, quando lhe conveio, explorar essa característica. Mas, ainda assim, cabe uma pergunta: Por que tais escândalos adquiriram tamanha dimensão?
Ao mesmo tempo em que a já tradicional presença da corrupção na sociedade brasileira estimula a continuidade da corrupção, sua impunidade e formação de imaginários cínicos (“sabe com quem está falando?”, “jeitinho brasileiro”, etc.) em contrapartida, essa presença desperta o desejo de fim da impunidade, muitas vezes recobertas por ressentimento, a fim de se alcançar uma ética na política.
Essa ambivalência em torno da corrupção incide também, logicamente, no modo de perceber e ver o tema Estado. A faceta neoliberal do Estado brasileiro, marcadamente corrupta, influencia enormemente para que se tenha a visão existente hoje. Essa é uma forte razão capaz de explicar o imaginário popular de que o Estado é um seleiro de corruptos. Ou ainda melhor, de que somente o Estado é ineficaz, enquanto que as empresas privadas não o são. E a mídia também compartilha desse imaginário. Tenha ela quaisquer opções políticas, o Estado acaba sempre sendo o grande vilão e culpado por todos os males da sociedade.

“Pode-se supor, de imediato, que talvez tenha existido um aumento efetivo da corrupção no país ou que o amadorismo e/ou a voracidade permitissem sua visibilidade maior. Certamente o embate entre as tentativas de ‘democratização’ e de ‘monopolização’ da corrupção ocasionaram conflitos que propiciaram a quebra do pacto de silêncio, que é condição de reprodução e envolve historicamente esta atividade”
(RUBIM,1999)

É nesse contexto que surgem inúmeras falas tanto de corruptores como de corrompidos. Os servidores públicos e trabalhadores médios, devido à oposição político-corporativa fizeram com que informações preciosas viessem à tona. Além disso, o projeto político de desmontagem do estado, por ter sido pouco delineado e tido conseqüências desagradáveis, também facilitou o processo de dilapidação iniciado via corrupção.
Sendo assim, a visão do Estado como um inimigo público devorador das riquezas do país acabou por apagar o delicado respeito à essa instituição. Além disso, o clima de liberdade, aliado à falta de um projeto plenamente hegemônico, à pluralidade política, e à presença de certos procedimentos democráticos possibilitaram que as denúncias surgissem e que a corrupção ganhasse existência social e visibilidade midiática, logo, pública.
O caso Collor contou com uma convergência entre corrupção e política, que ocasionaram uma politização dos episódios de corrupção. Portanto, a ética na política passou a ser defendida por grande parte da sociedade, impulsionada pelos mídias. Com isso, o ataque a Collor e à sua política neoliberal foi viabilizado e justificado. Por outro lado, as observações baseadas no neoliberalismo fez com que o foco saísse da tematização da política em si e se desviasse para o tema Estado. O que implica em dizer que a lógica privatizante em curso colocou o foco político no poder público e na sua adjetivação: a corrupção, com o objetivo de desqualificá-lo.
Como já foi repetidamente dito, desde muito a corrupção apresenta existência social no Brasil. E, mesmo na fase pré-CPI já era conhecida antiga dos brasileiros, principalmente porque trafegava com alguma desenvoltura na mídia, inclusive na televisão. Mas a figura do presidente, até então, não estava diretamente veiculada a ela nos noticiários.
A luta no parlamento pela CPI, de início, parecia não ser alcançável politicamente. Era essencial que outros setores, além do Partido dos Trabalhadores e poucos outros, mudassem de posição e passassem também a brigar pela CPI. Isto, porém, só foi possível a partir do momento em que os escândalos passaram a ser publicizados mais continuamente e as forças opositoras se expandiram e se multiplicaram. Entretanto, isso por si só não seria suficiente para levar o Inquérito a cabo. O acontecimento que de fato proporcionou a implantação da CPI foi as declarações bombásticas feitas por Pedro Collor à revista Veja em junho de 1992. A gravidade da declaração obrigou os partidários de Collor perceber que não haveria como escapar da CPI. O que restaria como solução era acompanhar o inquérito e tentar fazer com que este, assim como inúmeros outros anteriormente realizados no Brasil, terminasse sem que o investigado fosse indiciado.






A lógica privatizante toma dimensões públicas






A publicação da revista Veja produziu um fato político novo e de imensa repercussão pública. Toda a lógica privatizante, até então conhecida por poucos toma dimensão pública através ou graças a um drama familiar. Tal drama, tirado de dentro de seu ambiente natura,l é responsável por detonar uma crise política com dimensões desastrosas para o presidente. Dessa forma, a Comissão Parlamentar de Inquérito tornou-se inevitável. A CPI, portanto, pode/deve ser entendida como um produto da mídia, tanto devido a sua atuação de criar uma pré-condição para implantação da CPI, quanto por construir e publicizar o estopim político que detonou uma das crises políticas mais graves que o Brasil já teve.
É necessário notar, também, que mesmo com a implantação do Inquérito, a mída continuou com sua lógica de publicização do privado, a citar: no depoimento de Pedro Collor na CPI, grande parte da atenção dos meios midiáticos centrou-se não no andamento das falas, mas nas pernas de Maria Tereza, “nova musa que habitava a cena política” (RUBIM,1999).
Somente com as denúncias feitas pelo motorista Eriberto, publicadas pela revista Isto É, em junho de 1992, o jornalismo brasileiro tomou uma dinâmica de realmente cobrir os fatos e abandonar, pelo menos por um período a submissão de sua cobertura à lógica do capitalismo simplesmente. A partir desse momento, a notícia passou a ser o alvo primeiro das instituições jornalísticas, mas claro, sem abandonar definitivamente o vício anterior.
Com essa nova dinâmica, tais empresas passaram a travar uma disputa para ver quem era mais capaz de descobrir novos fatos e, consequentemente alavancar novos leitores. Até mesmo jornais que, até aquele momento, atacavam os defensores do impeachment, como O Estado de São Paulo, Folha e O Globo passaram a reivindicar a renúncia do presidente Collor de Melo. Os rádios e televisões também não ficaram de fora, mesmo porque entrar na questão significava sobreviver ou passar por um período de abstinência do público.
Revistas e jornais começam uma disputa investigativa, muitas vezes se antecipando à CPI.
“O que importa não é a ‘cobertura’, mas o trabalho investigativo que desenvolvem, os acontecimento políticos assim construídos e, principalmente a direção que, em verdade, dão aos trabalhos da CPI. A mídia, neste período, no essencial não faz a ‘cobertura’, mas produz a CPI, obviamente considerando o campo de forças vigentes na CPI e os esforços de alguns ativos parlamentares que buscavam, sem dubiedades, imprimir uma radicalidade ao trabalho dela. A própria constelação das forças e o ritmo do trabalho passaram a ser afetados pela dinâmica imposta pela mídia”
(RUBIM, 1999).



A mídia e sua CPI ‘paralela’




O citado depoimento de Eriberto foi, em grande parte, responsável por reorientar e dar uma dinâmica específica ao trabalho da CPI. A partir daí, a Comissão passa a desviar a atenção das provas testemunhais para as documentais de indiscutível contundência e poder, através do acompanhamento das possíveis trajetórias de cheques, que terminaram por envolver o presidente e descobrir toda uma rede de corrupção com PC Farias e Collor. Porém, apenas na etapa inicial das investigações o sigilo bancário foi quebrado. Dessa forma, a solução encontrada pela imprensa para não ficar alheia às descobertas feitas pela CPI foi realizar uma ‘CPI paralela’, com a própria mídia realizando as investigações e, muitas vezes se antecipando à Comissão Parlamentar de Inquérito.
A mídia também teve seu papel destacado devido a sua característica de dar visibilidade social. Dessa forma, a intensa publicização dos depoimentos da CPI serviu como uma espécie de incentivo para os depoentes, que viam nisso a possibilidade de, em pouco tempo, tornarem-se pessoas/políticos nacionalmente reconhecidos, logo, detentores de maior capital político, autonomia e independência. Além disso, essa exposição pôde significar, olhando por um outro ângulo, mas complementar, um importante invólucro de proteção e defesa frente às ameaças dirigidas àqueles cujos depoimentos contrariavam os interesses de poderosos. Ou, ainda, pôde significar a obrigatoriedade de certos políticos mais susceptíveis pela exposição de sua imagem se pautarem de acordo com as opiniões e com os interesses do público/eleitor, que na medida em que os observavam também os fiscalizavam (ou deveriam fiscalizar).
Tamanha atenção e acompanhamento dedicados pelos mídias à CPI, assim como pela população, fez com que o cenário político do Brasil, de junho a setembro de 1992, fosse reduzido somente à CPI. As eleições municipais, apesar de estarem sendo realizadas, raras vezes apareciam na mídia e sua importância foi reduzida e tornada subalterna.

“A mídia não só agendou o tema da corrupção/CPI no imaginário da população ou contribuiu de modo essencial para a construção de cenário político. O estoque de informações e opiniões, em um misto de perplexidades e expectativa, produziu uma potente indignação, ainda latente e represada, contra Collor e seus amigos. Mas as informações, opiniões e indignação não se traduziram automaticamente, para surpresa de muitos, nas esperadas e desejadas mobilizações populares. A população cada vez mais de tudo sabia, mas parecia permanecer cética, nunca apática”
(RUBIM,1999).

As mobilizações tentadas por alguns grupos, como o PT, CUT e os recém-criados Movimento pela Ética na Política e Movimento Democrático contra a Impunidade eram tímidas e mobilizavam somente militantes. E as poucas que abrangiam um maior contingente de pessoas não eram veiculadas nas mídias, a citar uma manifestação ocorrida em Brasília, em sete de julho de 1992, reunido 20 mil pessoas. “Parte significativa da mídia aderira à publicização da CPI com uma posição assaz ambígua frente ao governo. Tal ambigüidade os fazia temer as ruas e suas manifestações. Políticos como Quércia e Tasso Jereissati encontravam-se ainda em similar ponto de vista” (RUBIM, 1999).



Anos rebeldes (imitação?)





A primeira grande mobilização ocorreu no dia 11 de agosto, quando a CPI encerrou seus trabalhos. Agora, 70% das 500 cartas diárias recebidas pelo deputado Benito Gama pediam o impeachment de Collor de Melo. Coincidentemente (ou não) nessa mesma semana estavam sendo exibidos os últimos capítulos do seriado Anos Rebeldes, de Gilberto Braga, exibido pela Rede Globo de Televisão. O dia 11, dedicado aos estudantes, resultou sendo o dia em que os jovens e a população tiveram seu primeiro grande desabafo. E foi também o dia em que todo o potencial de mobilização latente no país foi detonado.
A mídia, simplista como muitas vezes o é, logo condenou o movimento de passeatas com rosto pintados e vestidos de preto realizado nas ruas do Brasil a ser uma reprodução do seriado na vida real.
Não resta dúvida de que Anos Rebeldes sensibilizou as pessoas para uma forma de manifestação diferente, experimentando algo novo só vivido por gerações anteriores. Mas seria muito afirmar que tais manifestações imitaram o seriado. Os estudantes e manifestantes como um todo perceberam as diferenças tanto de forma quanto de conteúdo entre os protestos vistos nos capítulos do Anos Rebeldes e os que estavam a promover. Havia, claro, identificação entre ambos, mas não identidade.



Pra começar, a manifestação de 1992 era menos ideológica e mais visual. Compreendendo o efeito que a visibilidade proporcionada pela mídia causa, o que se buscava era menos ideologia e mais visualidade. As imagens eram mais importantes. Tinham mais efeito.
As caras pintadas, de certo, não significavam a imitação dos caras pintadas argentinos. As brasileiras tinham características de nacionalidade, de tribal, de índio, representando uma força ou vontade de ser selvagem. Selvagens alegres.
Resultado do uso de uma gravata verde e amarela por Collor durante um discurso inflamado dirigido aos motoristas de táxi, a cor preta veio a fazer parte do manifesto popular. Inúmeros significados pode-se tirar do uso das roupas pretas: “ausência de governo; luto pela vergonha e pelo (dês) governo do país; falta de cor que se atira contra o collorido do governo; o desejo de morte da corrupção e do governo de corruptos, etc.” (RUBIM, 1999). O preto deixou de ser simplesmente elegante e característico de algo sério, solene, respeitoso, lúgubre ou choroso. Nesse momento da história brasileira o sentido do preto foi reinventado. O Preto foi alegre, irônico, elegante.



Os editoriais: Campo de embate



Por entender que os editoriais foram um importante campo de embate político onde o uso de discursos antecipatórios foi essencial para a construção do impeachment de Collor de Melo, a partir daqui será feita uma discussão desse campo na mídia impressa, tendo como alvos de análises principais a revista Veja e a Isto É, devido ao fato de terem assumido uma postura clara e agressivamente a favor do indiciamento do presidente.
Os editoriais realizaram um conjunto de operações discursivas, de caráter argumentativo, fazendo com que o jornalismo produzisse uma série de envios e receitas ao espaço parlamentar e, de certa forma, instruindo-o sobre a temporalidade e regras do impeachment. A própria instância institucional jornalística toma formato discursivo – o editorial – estruturando-se a partir de várias vozes produtoras e articuladoras de sentido. Os editorias e suas estratégias discursivas tiveram um papel destacado no processo de contaminação do espaço parlamentar.
Todo um trabalho de elaboração de títulos, textos e imagens, hierarquização editorial, enfim, do discurso jornalístico articulando uma série de palavras foi feito para que as matérias adquirissem as expressividades desejadas e fossem capazes de fazer do campo jornalístico lugares estratégicos de constituição do discurso social. Mas não no sentido de dar voz ao povo ou de fazer o reclame das coisas, e sim de ser uma voz se impondo às coisas.
Dessa forma, torna-se interessante observar os espaços ditos editoriais nas duas citadas revistas (Veja e Isto É) no período entre maio e setembro de 1992, período referente à cobertura do impeachment. Tais revistas distinguem-se em ralação à nomeação dos ditos espaços editoriais. A Veja com sua seção ‘Carta ao Leitor’, caracterizada pelo estabelecimento de um contato entre o campo institucional – através do sujeito da enunciação – e o leitor, através do qual a publicação caracteriza os assuntos principais tratados na edição, emitindo também opiniões sobre os temas escolhidos. Já a Isto É tem a seção ‘Editorial’, no qual o discurso veiculado é construído à base de marcas opinativas, nas quais o sujeito da enunciação seleciona uma questão mais abrangente e emite valorações, fazendo predições, estabelecendo prescrições, proclamando posições e etc, ou seja, expressando o ponto de vista da instituição.
Mas é importante salientar que o fato de essas publicações dedicarem/reservarem um espaço para a opinião não implica em dizer que nos outros espaços destas mídias (originalmente espaços para a informação limpa) as opiniões não sejam encontradas claramente.



“Não estamos aqui defendendo uma distinção ingênua entre as dimensões informativa/opinativa, conforme sugerem alguns. Pelo contrário, estamos dizendo que no interior da economia discursiva do discurso jornalístico - ainda que o real seja apresentado segundo grades semânticas e classificadoras distintas – os níveis de subjetividade do sujeito atravessam vários e distintos patamares na matéria significante”
(NETO, 1994)

O editorial é um território estratégico, por diversas razões. As vozes que operam nesse espaço ficam em off, ou seja, não são facilmente reconhecidos pelos leitores, a não ser por certos traços lingüísticos característicos ou pelo nível do discurso.
Essas vozes falam em nome do coletivo, funcionam como porta-vozes de categorias e como peritos em análises de causas, praticamente como legisladores sociais, ou como professores que têm a função de ensinar para os leitores o que os fatos analisados representam, como avaliadores do mundo e de seus acontecimentos, enfim, como feitores de pontos de vista.
Dessa forma, o editorial é um lugar estratégico onde, utilizando como munição as palavras, trava-se uma guerra na qual, geralmente, o ponto de vista apoiado ou fundado pelo jornal vence.
E, no caso Collor, assim como vários outros, o editorial interveio no campo midiático de maneira tão ferrenha a ponto de a mídia se tornar um verdadeiro instituidor do real. Dessa forma, nos editoriais das revistas escolhidas para estudo (mas elas não são exceção), a mídia faz uma teorização exacerbada sobre sua missão informativa e sobre seu processo de intervenção no real; sobre a história dos processos de construção, obviamente que isso se refere ao agendamento de acontecimentos; e sobre as estratégias de interpelação da esfera da recepção.
Nesse editoriais é possível ver como a imprensa autoconstrói uma teoria a respeito de suas funções ao mesmo tempo em que apresenta a própria racionalidade do discurso jornalístico a respeito de como ele compreende e autodefine sua tarefa de referenciar o acontecimento.
Para exemplificar:

“A tragédia dos grandes problemas (t)...Durante todo o governo Collor, e com um ribombar fantástico nos últimos quatro meses, os brasileiros foram submetidos a uma vexaminosa onda de denúncias de corrupção – primeiro foi a imprensa cumprindo um serviço inestimável ao país, que mostrou as proporções inacreditáveis a que chegou o assalto ao Estado”.(Veja, 19/09/92)

Ou:

“Os fatos (...), as crises e os escândalos não estouram quando o país e a imprensa querem. Eles explodem quando têm de explodir e, frequentemente, nos momento mais impropriados. A imprensa não tem o condão de escolher a hora de publicar as notícias desagradáveis. O seu dever é relatar para os leitores o que está acontecendo, mesmo que seja ruim e muitos outros problemas atulhem a vida nacional. É por estar atenta às notícias da cena brasileira que a Veja vem surpreendendo os leitores a cada semana”. (Veja, 10/06/92)

No primeiro exemplo o que há de mais interessante para ser notado é que o fazer jornalístico saiu dos manuais de redação e foi parar nas páginas das próprias revistas. Dessa forma, o jornalismo teoriza sobre seu fazer, enfatizando a capacidade que o jornalismo (no caso a Veja) tem de dar visibilidade ao que sem sua existência permaneceria oculto. Prestando um pouco mais de atenção no enunciado, vê-se implicitamente que há a idéia presente de que a produção do sentido é entendido apenas como veiculação, como se não houvesse ali também uma modelização do real.
No segundo exemplo tenta-se passar a idéia de que o critério de entrada do acontecimento não constitui apenas o processo de agendamento, via classificação, hierarquização e tematização de assuntos. Se quer convencer que os fatos emergem automaticamente, como num passe de mágica e não pelas injunções e pressões do próprio processo histórico social, baseada na racionalidade midiática. Se quer convencer que a mídia funciona apenas como um lugar de observação que, surpreendido pela emergência dos fatos, resolve também surpreender os leitores, de modo involuntário.





“Nesse caso, a imprensa não tem o poder de definir a hora de publicar notícias desagradáveis, o que caracteriza sua subordinação, enquanto mero suporte, à lógica dos fatos. Porém, na medida em que Veja surpreende os leitores, sai desse lugar passivizado, instituindo uma temporalidade pela qual captura a percepção desavisada”.
(NETO, 1994)

Logo, se percebe que a mídia está sempre negando o que fazem na prática: Não produz fatos. Nem o tempo de produzi-los. Não os modela. Entretanto essas negações são contraditas no próprio texto da reportagem , quando a Veja diz que vem surpreendendo os leitores, sugerindo que isso se deve ao fato de ela relatar os fatos. Mas talvez esse surpreendimento esteja mais relacionado ao processo de referenciação.
Outra característica interessante é o fato de as revistas dedicarem grandes espaços a narrativas nas quais a história e modelização dos acontecimentos são expostos e inseridos nas edições de cada semana.
Os editoriais apóiam-se em marcadores típicos que se reportam ao contar histórias. Utilizam recursos da didatização para explicar algo que já está especificado em alguns enunciados.

“Veja se orgulha de ter estado no centro da crise. Foram dezessete capas sobre o assunto – coincidentemente, o mesmo número de capas dedicadas anteriormente a Fernando Collor (...)”. (Veja, 30/09/92)

Neste exemplo, o lugar da revista é evidenciado, auto-referenciando seu papel no centro da crise. A mídia não funcionou apenas como observadora periférica, mas, nas suas próprias palavras, era um ator que estava no centro do acontecimento, logo, num lugar estratégico, onde também o estão os jornalistas como produtores dos textos que vieram a ser publicados.

“Exemplo desse empenho é a entrevista publicada nesta edição com o ex-líder do governo na câmara, Renan Calheiros. Na tarde de quinta-feira passada, o chefe da sucursal (...) e Expedito Filho encontraram-se em Maceió com Renan. A entrevista se estendeu até altas horas da noite, foi repassada pelos três, checada, rubricada pelo ex-deputado e só então enviada à redação da revista em São Paulo”. (Veja, 24/06/92)

Nesse caso, o jornalista narra os detalhes de todas as operações com a finalidade de evidenciar todo o esforço realizado para se chegar na reportagem final. Mas o relato não se reduz em si. Refere-se também aos seus heróis e/ou às próprias instituições, o que se pode chamar de processo de auto-referenciação da própria mídia, consolidando seu papel estratégico.
A mídia também constrói a temporalidade do acontecimento, transformando o falar do acontecimento em ponto de vista:

“Isto É atrasou a saída da edição de n. 1.195, uma edição necessariamente histórica (...) Passagens do relatório já eram conhecidas, na sua forma definitiva (...) Mas Isto É entendeu que só deveria chegar às mãos dos seus leitores depois de conhecidas, na sua forma definitiva, as conclusões de um documento destinada a influenciar decisivamente o destino de todos. Assim, ela agora pode afirmar na sua capa que o presidente (...) está incriminado (...). (Isto é, 26/08/92)

Durante o processo da CPI a mídia não agiu apenas como mediadora entre os poderes, funcionando como um quarto poder. PorÉm, mais que isso, ela foi um dispositivo de produção do próprio poder de nomeação e, muitas vezes, no funcionamento da esfera política. A mídia não é somente mais um poder auxiliar. É ela quem fornece os temas sobre os quais os leitores devem pensar. É ela própria quem diz como os poderes devem estruturar procedimentos, a partir desse poder inerente à comunicação de massa. A mídia mobiliza os poderes, inclusive o Parlamento, adequando sua temporalidade e sua liturgia à sua economia discursiva.

“A CPI foi formada para responder a um caso que surgiu primeiro na imprensa, através de entrevista de Pedro Collor à Veja . A cada semana novos personagens são chamados a depor em CPI em função das reportagens de jornais e revistas”. (Veja, 24/06/92)

“Há uma semana, alguém disse que o rei estava nu, o motorista Eriberto. Os fatos estão provando, no seu desenrolar, que ele não mentiu. Todas as denúncias de Eriberto, divulgadas com exclusividade por Isto É e apresentadas na CPI, estão confirmadas”. (Isto É, 15/07/92)

Tudo isso leva a pensar que a mídia de fato foi uma espécie de parlamento de papel, realizando investigações especializadas. A relação entre o jornalismo e o parlamento não foi de complementaridade.

“As estratégias discursivas procuram não só olhar os fatos com seus protocolos de leitura, mas ao mesmo tempo, através de um processo paralelo, fazer funcionar um outro processo e, desse lugar, remeter para o Congresso um conjunto de ordenações a ser por ele observadas quanto ao desfecho do processo de presidente. É nesse nível que estamos dizendo que a mídia, para além do Congresso, constrói o impeachment, desenvolve seus trâmites, seus sentenciamentos, e instrui como o Poder Legislativo deve também fazer seu impeachment”.
(NETO, 1994)


Muitos dos textos editoriais destas revistas falavam para o leitor-alvo. Esse leitor, grosso modo, era o campo parlamentar, mas através de inúmeras construções figurativas: congressistas, Câmara Federal, Câmara dos deputados, Parlamento, parlamentares, políticos, etc. Sendo assim, as revistas aconselham, indicam quais ações esperam que seu interlocutor façam, advertem, colocam o campo parlamentar no interior do espaço de suspeições (como tendo contas a prestar com seu eleitor) e, ao mesmo tempo, apontam os efeitos nefastos dos eventuais atos dos parlamentares que não se compatibilizarem com o sistema de expectativas lançadas no interior do próprio enunciado. O sujeito leitor aqui toma uma outra dimensão que não a corriqueira. O leitor referenciado passa a ser basicamente os políticos e depoentes, devido ao fato de a mídia querer ampliar cumplicidades ou alertar adversários:

(t) “chegou a hora da verdade (...). Agora, a responsabilidade volta à Câmara Federal, aos 503 deputados que a compõem. Frente aos documentos levantados pela CPI, só cabe aos deputados uma alternativa: a de dar seguimento ao processo de impeachment, possibilitando o julgamento de Fernando Collor no Senado. Os parlamentares não decidirão se o presidente é culpado ou inocente. Pela maioria qualificada de dois terços, numa votação aberta, eles terão de dizer se o processo contra o presidente deve ser instaurado ou não no Senado. Votar contra a abertura do processo significa evitar que se faça justiça. Deixar de comparecer à sessão que discutirá o afastamento do presidente é mais que fugir à responsabilidade. O deputado que se ausentar estará enxovalhando os eleitores que o conduziram à Câmara, trairá o mandato que lhe foi conferido. O presidente deve ser julgado”. (Veja, 30/09/92)
(NETO, 1994)



O Veredicto do Campo Editorial



A edição da revista Veja de 02/09/92 foi às bancas sem sua característica sessão carta ao leitor. Em seu lugar havia sido introduzida uma matéria designada como editorial cujo título era: O presidente deve sair, ocupando toda a superfície da página onde estava inserida. Duas semanas depois, no dia em que o Parlamento se reuniria para apreciar a aprovação do impeachment, a Veja publica uma outra matéria, mas desta vez com uma imagem de Collor de costas para o leitor, com o enunciado: “Chegou a hora”. A carta do leitor tinha como título: “Chegou a hora da verdade”, juntamente com uma pequena foto na qual a imagem de Collor quase desaparecia dos limites da foto.Tais modificações na rotina da Veja, sem dúvida, teve um propósito imerso. Ela buscava transmitir com isso o tom de gravidade que colocava na construção que enunciava.

“(...)O relatório da CPI (...) atinge o presidente inapelavelmente. O presidente traiu a conf8iança que lhe foi depositada pelos eleitores. N]ao tem credibilidade para apontar caminhos, exigir sacrifícios, forjar acordos, convencer um povo inteiro da necessidade premente de reformas estruturais. (...) Fernando Collor de Melo deve sair da Presidência (...) Está nas mãos do presidente a alternativa de renunciar (...) ou de insistir em prejudicar o Brasil. A renúncia, por mais dolorosa que se afigure (...) é a melhor solução para a sociedade brasileira”. (VEJA, 02/09/92)

É visível o tom avaliativo do discurso, (des) qualificando o presidente, através de componentes pressuposicionais. Ao mesmo tempo, a revista mostra claramente seu ponto de vista: se ele não renuncia; insistirá em prejudicar o Brasil. É possível também que se evidencie a estratégia elaborada pela Veja: ela aponta os fatos, de maneira afirmativa; após, ela mostra que os fatos impõem a necessidade de renúncia; e, por último, ela diz que a renúncia não é apenas uma necessidade, mas é a melhor solução.
A imagem de Collor é subordinada ao trabalho de conotação jornalística e transformada em dispositivo de argumento. A mídia faz Collor sair de cena, na medida que o faz sair da imagem.




Considerações finais





A mídia venceu, como muitas outras vezes, a disputa. O presidente Fernando Collor de Melo que foi levado à presidência nos braços da mídia, como sendo um super-herói montado num jet-ski saiu de lá também pelos braços da mídia. Amor e ódio. Cada um a seu tempo.
Os brasileiros puderam acompanhar via tv e rádio, ao vivo, a deposição legal do presidente Fernando Collor de Mello, em sessão extraordinária do Congresso Nacional. Encerrava-se de modo inusitado o primeiro governo civil e diretamente eleito após o Regime Militar, ao mesmo tempo em que se abria uma nova era para a política brasileira, da qual ainda hoje mal podemos visualizar e caracterizar os traços principais.
Mas o fato é que presidente entra e presidente sai a cada quatro anos e a história se repete sempre. A mídia é inconstante e muda de amores no mesmo ritmo que muda de ambições.
Cabe ainda uma questão: seria possível pensar o impeachment de Collor sem a presença voraz da mídia?
Parece difícil conseguir imaginar tal processo fora dos holofotes da mídia. Mesmo porque, talvez o próprio impeachment nem ocorresse se não tivesse sido conduzido e preparado pelos meios midiáticos.








Referências bibliográficas



RUBIM, Antônio Albino Rubim Canelas. Mídia e Política no Brasil. João Pessoa: Editora Universitária, 1999.

CORREIA, João Carlos (Org.). Comunicação e Política. Estudos da Comunicação da Universidade da Beira Interior. Covilhã: Serviços Gráficos da Universidade da Beira Interior, 2005.

RUBIM, Antônio Albino Rubim Canelas. Comunicação e Política. São Paulo: Hacker editores, 2000.

NETO, Antônio Fausto. As vozes do impeachment. In: Mídia, Eleições e Democracia. São Paulo: SCRITTA, 1994.

---------.29 de setembro de 1992: o impeachment de Collor.Capturado em 20/10/2007. On-line. Disponível na internet: http://www.cpdoc.fgv.br/nav_fatos_imagens/htm/fatos/Impeachment.asp

----------Fernando Collor de Melo 1990-1992. Capturado em 18/10/2007. On-line. Disponível na internet: http://elogica.br.inter.net/crdubeux/hmello.html

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Sorriso vazio

Por Josciene Santos
"Ôh, minha filha, eu sinto falta sim। Mas o que posso fazer se estavam todos estragados e doendo muito?", confessou Maria Alzira, de incertos 75 anos, moradora de Itapuã।Alzira já não possui nenhum dente na arcada superior e apenas 7 , estragados, na inferior। Esse fato lhe enquadraria apenas como mais uma dentre tantas pessoas na mesma situação em todo o Brasil। Porém, na medida em que ela se recusa a utilizar qualquer tipo de prótese em substituição aos dentes retirados, ela se afasta da tendência verificada pelos profissionais da área odontológica.



Dianil Régis, odontologista que atende em seu consultório protético situado no prédio Itamaraty, Garibaldi, aponta que a grande maioria das pessoas que retiram os dentes não enxergam a possibilidade do não-uso da prótese. “É uma questão de estética mesmo. E mais ainda, é uma questão de convívio social. Ninguém com os dentes estragados se sente seguro para procurar emprego, amigos ou namorado”, afirmação que é confirmada por Cristina Alves, 29, que comprou um aparelho protético em Itapoã: “Meus dentes se estragaram cedo, mas só a 6 anos eu decidi extrair a maior parte e colocar uma prótese móvel. O resultado foi muito bom. Hoje eu não coloco mais a mão na boca na hora de sorrir, e tive coragem de ir procurar um emprego.”
Os preços das próteses variam a depender do grau de perfeição exigido pelo cliente. “Talvez pelo fato de meus clientes serem de classe média e média alta, eles não aceitam um produto que não chegue perto da perfeição. As classes menos abastadas, felizmente, se contentam com um serviço menos elaborado ou aperfeiçoado”. Segundo Régis, para se conseguir pequenos detalhes, mas que fazem toda a diferença e podem significar a total dissimulação do uso dos dentes artificiais, é necessário um imenso trabalho. Trabalho esse que é repassado ao preço. O valor das próteses feitas pelo doutor Régis chegam a variar entre 1 mil e 50 mil reais, a depender da quantidade de dentes a serem substituídos, do tempo dedicado à confecção e do material utilizado. Mas , em bairros populares, em consultórios que, nas palavras dele, “ não pagam condomínio ou aluguel alto, que não têm uma folha de pagamento cara, que não são constantemente pressionados pela obrigação de conseguir produtos perfeitos” as próteses têm um preço mais acessível, como comprova o consultório de doutora Sheila Carvalho, Itapoá e o de Dr. Luís Melo, São Cristóvão, nos quais uma prótese móvel, completa, custa entre100 e200 reais.
Osvaldo Vidal, odontologista do Centro de Saúde Hélio Machado, em Itapoã, alerta para o fato de as pessoas enxergarem nas dentaduras postiças uma saída estética eficiente, mas que apenas camufla suas aparências de desdentadas. “O sujeito já vem aqui pedindo para extrair os dentes. Ele não quer saber se podem ser recuperados ou não. Geralmente estão doendo, inchados, portanto eles só querem se livrar da dor de uma vez por todas, e não pensam muito antes de escolher se querem, literalmente, arrancar o problema pela raiz ou voltar algumas vezes ao dentista para fazer os reparos necessários”,afirmou.
Quando indagado sobre a insuficiência do SUS em arcar com a demanda odontológica e sobre a viabilidade econômica de bancar a feitura de próteses à população,Vidal não poupa críticas.“Dinheiro para ser investido na saúde existe. O que não temos é políticos de verdade para encaminharem esses recursos para onde devem ser direcionados, que deixam a saúde publica às mínguas”. No dia 25 de abril, o Centro de Saúde Hélio Machado, posto de referência em atendimento odontológico de emergência, estava com todos os aparelhos quebrados. “Se uma pessoa chega aqui hoje e está precisando de uma cirurgia, ou bateu o dente em algum lugar e quebrou, e está sangrando, eu sou obrigado a encaminhar para outro lugar, que só deus sabe se estará em condições de atendê-la, porque aqui está tudo quebrado. No máximo vou poder receitar um remédio para aliviar a dor”, indignou-se Vidal.
Procurada para dar maiores informações a respeito dos postos odontológicos em Salvador, a Secretaria Municipal de Saúde mostrou-se inacessível. Após horas sendo transferida de ramal em ramal na tentativa de agendar uma entrevista antecipadamente, a repórter dirigiu-se até a sede da secretaria por duas vezes consecutivas, ambas em vão. Vencida pelo cansaço, a doutora Xx da Secretaria de Saúde resolveu dar uma rápida entrevista, deixando bem claro que não estava dando uma informação oficial, que não permitiria a gravação da entrevista, e que nem mesmo consentiria que a repórter saísse dali levando a folha, na qual xx rabiscou algumas informações.
Xx não tentou negar o caus verificado no Centro de Saúde Hélio Machado. Mas justificou, após telefonar para o Centro: “o compressor estava quebrado. E com isso nenhum outro aparelho poderia funcionar. Mas ontem, dia 03 de abril, um novo compressor foi enviado”.Xx cita os projetos implantados em salvador com o intuito de oferecer uma saúde bucal mais eficiente na cidade. “Temos postos de bairros, os Postos de Saúde Familiar (PSF), os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO), os Programas de Saúde na Escola (PSE)”. E diz reconhecer que “ainda há muito por fazer, mas não se deve generalizar esse caus verificado no Centro de Itapoã como sendo de toda Salvador, apesar de haver outros postos em situação parecida”,concluiu.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

artistas como quaisquer outros.

Por Josciene Santos
Com um cigarro na boca, roupa vermelha e sensual e expressão de desejo, Ninfa Cunha e seu parceiro e coreógrafo Déo Carvalho mostrou à platéia do II Circuito de Deficientes Sobre Rodas que deficiente também tem vícios e vida sexual। “Eu não sou exemplo para ninguém। Eu não quero ser। Sou uma pessoa como qualquer outra e faço tudo o que todos fazem। E quando estou no palco, eu não estou ali para expor minha deficiência ou para que me vejam como exemplo de superação ou de vida। Estou ali como uma artista, mostrando meu trabalho”, desabafou Ninfa।

Ninfa e seu parceiro, além de outros grupos artísticos, se apresentaram no Dique do Tororó logo após o fim da competição dos atletas, mediante um cachê, segundo ela satisfatório. Ela conta que, apesar do campo para apresentação de dança com deficientes estar crescendo, é um progresso lento. “Muitos lugares e eventos entram em contato conosco para que façamos apresentações. Mas são raros os casos em continuam a conversa quando informamos que cobramos uma remuneração. A impressão que tenho é que eles consideram um favor, um ato social louvável abrir espaço para que um deficiente mostre seu trabalho. E não é isso. Nós somos artistas como qualquer outro. E merecemos poder sobreviver de nosso trabalho”, contou. Mas isso ainda não acontece. Cunha complementa sua renda através de um trabalho numa ONG para o qual foi encaminhado através da ABADEF.
O grupo RODART, que tem apenas Ninfa e Déo Carvalho como membros ativos, nem mesmo pode contar com patrocínio oficial, pois não faz parte da ABADE ou de nenhuma associação, pois o tipo de dança que executam não podem concorrer como dança esportiva. É uma dança contemporânea. “Eu não gosto de dança milimetricamente formalizada, enquadrada, rígida. Eu e Déo trabalhamos muito com temas do cotidiano e com tabus. Falar da sexualidade dos deficientes, de gravidez, etc ainda é um tabu. E nós transformamos isso em dança. Eu acredito que para dançar, tem que mexer aqui dentro do coração. E nós buscamos passar para a platéia um sentimento que não seja pena. Nós buscamos provocar o publico”.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Da Analógica à Digital

Por Josciene Santos

Por volta de 1950, os EUA já contavam com cerca de 1000 estações servindo a 12 milhões de aparelhos de televisão। Enquanto que, no Brasil, Assis Chateaubriand dava o primeiro passo para a entrada do Brasil na Era da Televisão, com a inauguração da TV - Tupi, no Canal 3।


Se o principal veículo de informação e entretenimento dos brasileiros era o rádio, a partir dali um novo fenômeno começava a “invadir” as casas das pessoas e, ao que parece definitivamente o de um modo bem diferente do rádio. Pois, se com este a imaginação do ouvinte era extremamente necessária para acompanhar, ver, imaginar as imagens sugeridas pelo locutor, com a televisão o espectador recebe a imagem pronta para ser consumida, sem nenhum esforço imaginativo.
Mas, obviamente, isso não implica em dizer que a atenção do espectador esteja automaticamente estruturada pela imagem. É o inverso que acontece. A televisão não estrutura a atenção do receptor. Ela dispersa essa atenção. Isso se dá porque a continuidade das imagens da televisão, em seqüência de fragmentos inseparáveis aos olhos de quem assiste, são análogas ao fluxo da consciência humana. Isso, hipnotiza, arrebata visualmente o espectador e leva a pensar-se, na verdade, as pessoas vêem tevê ou o que está na TV.
Na TV, a imagem é uma formação, uma realidade trabalhada, pensada, concreta mesmo que não seja objetiva e que é produzida para o consumo fácil e imediato, sem grandes apelos ao intelecto. Com isso, claro, não se quer dizer que a TV, a imagem não seja sugestiva. Ao contrário. As imagens, repletas de significados – facilmente codificadas ou não – sugerem muito mais do que o simples fluxo verbal e alcança a parte menos vigiada do psiquismo pelo intelecto, afinal o espectador se abandona, descuidado, frente a TV.
Geralmente, no universo das imagens que é a televisão, a sensação predomina sobre a consciência, apelando para todos os sentidos ao mesmo tempo, porém os enfraquecendo.
É certo que a TV traz uma imagem concreta. Mas isso não implica em dizer que ela faz uma reprodução fiel da realidade. Até mesmo numa reportagem, onde se supõe haver o máximo de objetividade e empenho para mostrar o fato real, mesmo que esteja sendo transmitida diretamente, ao vivo, ela não consegue reproduzir fidedignamente a realidade. Acaba resultado num amontoado com vários pontos de vistas diferentes: do realizador, responsável por relacionar as imagens num monitor; do produtor, que é livre para fazer cortes arbitrários; do cameramen, que seleciona os ângulos enquanto filma, enfim, de todos aqueles que podem de alguma maneira intervir no processo de elaboração e transmissão da imagem. Ainda nesse sentido, a televisão impõe ao receptor a sua maneira especial de ver a realidade. Ao alternar sempre os closes (apenas o rosto de um personagem na tela, por exemplo), e cenas reduzidas (a vista geral de uma multidão), ela não dá ao espectador a possibilidade de escolher aquilo que ele quer ver em pequenos ou grandes detalhes, o essencial ou acidental. Sem se falar que, os efeitos de montagem e dramaticidade, que têm a finalidade de tornar a mensagem mais interessante e bela esteticamente, ajudam a deformar a realidade comunicada: mostrando por certos ângulos e não por outros, um evento pequeno, com pouca participação popular pode aparecer nas telas aparentando um grande evento e os efeitos de continuidade operados através dos monitores ajudam a criar o resto da ilusão.
E está aqui uma das grandes armadilhas deste veículo. O receptor, certo de estar vendo algo real pode deixar-se influenciar ainda mais pela mensagem e entregar-se aos processos de identificação e projeção.
Uma outra característica que chama a atenção quando se fala em televisão é a verticalização da linguagem utilizada para comunicar. E, é necessário que se diga esta é uma linguagem chula, pobre, banal. A justificativa para isso se dá devido ao fato de esse veículo, ter uma norma geral que visa abarcar, atingir o maior público possível. Dessa forma, uma mensagem bem elaborada, rebuscada, satisfaria uma pequena parcela da população, enquanto que a grande maioria das pessoas não teria facilidade para codificar a informação. A saída, então, é reduzir a mensagem a um suposto denominador comum, que possa atender às várias classes sociais, ao maior número de consumidores.
Na realidade, os produtos televisivos estão bem menos preocupados com a linguagem utilizada pelo meio de comunicação do que com a subversão dos costumes. Eles procuram dar ao público o que ele deseja, num chavão empregado pelos produtores televisivos mundiais e, claro, brasileiros. Dessa forma, e tendo em vista que a família é a unidade básica do público de televisão, é em função das famílias que a programação é constituída. Assim, se tal personagem, de acordo com o script, deveria morrer no fim da novela, mas o público quer o contrário, muda-se o roteiro para satisfazer a audiência. A grande maioria dos espectadores de tal horário são pessoas de baixa faixa econômica? Então, deve ser veiculado assuntos que condizem com a realidade deste público e que possam interessá-lo: apelo com violência, valores tradicionais relativos à infância, perseguição e prisão de bandidos, etc.
Claro que essa ligação do comunicador com o público poderia ser vista como benéfica, mas o que acontece na TV Analógica nessa relação entre produtor e tevê e público é apenas uma deformação da mensagem, onde esse meio converte-se num organismo difusor de distorções, estereótipos e preconceitos sociais, além de aguçar contradições sociais. Apesar de haver uma antena e uma TV na casa de um rico e de um pobre, essa aparenta igualdade não se reflete no conteúdo veiculado. Na televisão, geralmente, os fatos são mostrados através de um ângulo que satisfaz os interesses ocultos de poucos.
Nesse sentido, a constante veiculação dos movimentos do Sem Terra, por exemplo, a um olhar descuidado, pode vir a parecer uma politização do meio, um comprometimento com a causa. Mas, antes de se chegar a essa conclusão o movimento vem sendo mostrado, pois a simples focalização mais freqüente do seu líder, ou das podem aparecer com significações diferentes na tela, a depender do enfoque dado.

Televisão e dependência cultural

O século XX marca o apogeu do poder industrial. Sendo assim, a estratégia para dominação territorial sofre uma mutação que acompanha a nova era industrializada, ensejando uma “Segunda colonização”. Esta, porém, visava garantir uma dependência econômica e, ao mesmo tempo, manter a aparência de autonomia nacional para os países liberados da tutela política dos centros metropolitanos. Para tal, os veículos de comunicação de massa passaram a desempenhar uma função colonizadora, disseminando mercadorias culturais. A expansão desses meios apresentava um aspecto eminentemente político.
A nova realidade histórica obrigava as potências colonizadoras a encontrarem novos caminhos para manter o controle das áreas conquistadas. Sendo assim, foi decisivo o desenvolvimento dos novos veículos de comunicação eletrônica, pois possibilitaram a garantia de mercado para as antigas nações colonizadoras e a certeza de bombardeamento do germe do socialismo, que se espalhava pelo globo terrestre.
Tendo em vista a capacidade de cercar e capturar a consciência do público por todos os lados desempenhados pela televisão, que é capaz de aproximar-se da meta definida por Adorno como “a totalidade do mundo sensível em uma imagem que alcance a todos os órgãos”, a televisão ocupa um papel excepcional.
Portanto, fica claro por qual motivo esse meio apresenta uma rápida expansão, implantando-se na grande maioria dos países subdesenvolvidos, inclusive naqueles que não apresentavam condições econômicas para importar a tecnologia necessária.
É notório e destacável que esse desenvolvimento acelerado tenha se dado impulsionado por objetivos ocultos numa união de estratégia política e econômica.
Os EUA, por exemplo, depois da Revolução Cubana, compreenderam que a existência dos meios de comunicação de massa nos países sob seu domínio significaria mais que um recurso para dominação econômico-social, era também um importante instrumento para tarefas político-militares, capazes de estimular ou coibir possíveis focos de revoluções nacionalistas.
No Brasil, também, não foi por acaso que o desenvolvimento expressivo da televisão brasileira tinha se dado após o movimento militar de 1964, quando todo um complexo de telecomunicações que assegura, ainda hoje, um controle estratégico de todo o território nacional se expandia assustadoramente. E, como já é de se esperar, foi atrelada culturalmente aos centros multinacionais de produção de programas e de notícias, sob a hegemonia dos EUA, que a televisão brasileira se expandiu tecnologicamente. E essa dependência se dá não só em relação aos EUA. Dentro do próprio Brasil há também uma dependência interna, na qual as regiões economicamente estagnadas do país ficam dependentes dos pólos industriais.
No que se refere ao conteúdo veiculado pelo meio televisivo no Brasil, nota-se claramente uma tendência conformista das mensagens em correspondência com a própria orientação do sistema brasileiro de comunicação cultural das últimas décadas, que visa em primeira instância estimular o consumo e, ao mesmo tempo, promover divisões. Aqui, há uma enorme prevalência das informações triviais sobre as utilitárias.
Se os principais canais de TV pública forem analisados há de se notar que a maior parte da programação diária é constituída pelos programas de entretenimento, ou seja, programas repletos de mensagens banais e alienadas responsáveis pelo distanciamento dos telespectadores da realidade em que vivem.
E, observando o
panorama nacional, nota-se que grande número das estações se classifica como retransmissoras de programas gerados por centros externos de produção.
E ainda há de se destacar que grande parte dos programas não são transmitidos ao vivo, mas enlatados. Dessa forma, o espaço para que haja improvisação criativa e manifestações espontâneas é reduzido. Assim como as programações locais.

“A redução dos programas ao vivo barra as possibilidades de atuação dos músicos, cantores e atores locais, impedindo em última instância que reproduzam e recriem os padrões de cultura regional” ¹.

As emissoras de televisão apresentam uma expressiva homogeneidade nas suas programações. Elas atuam segundo um único modelo que valoriza externamente o entretenimento, dirigindo para tal categoria uma carga horária bastante expressiva e majoritária. Sendo que, nesse regimento, há uma predominância de filmes (quase que exclusivamente importados) e novelas.
Dessa forma, pode-se falar num colonialismo cultural, já que grande parte dos programas exibidos é ocupados por material proveniente de universos culturais diversos daquele peculiar à população à qual se destina. Grande faixa desse material é estrangeiro, outra parte é nacional, restando pouco espaço para a produção regional e local. E é necessário que se diga aqui que, se for enquadrar os programas de origem estrangeira mas numa roupagem brasileira – Simple life, mudando de vida, Big Brother Brasil, etc – entre o material estrangeiro, a produção nacional também diminui significativamente.
Quando se fala de programação local, verifica-se que este assume um caráter diversional, pois objetivam entreter os telespectadores.
O que dizer da Bahia Meio Dia, exibido pela filial da Rede Globo, Rede Bahia? Esse programa reconhecido como um jornal é um meio de apresentação artística, musical, de entrevista com especialistas diversos, de divulgação de ofertas de emprego, de procura de desaparecidos de reportagens noticiosas, e também analíticas, etc. Isso significa uma tentativa das emissoras de TV de procurar fortalecer os laços com as comunidades a que se dirigem. Também é importante frisar que a programação informativa local apresenta-se bem maior que a mesma categoria considerada no bojo da programação nacional. E, por falar em Rede Bahia, para se avaliar a conexão de interesses políticos e econômicos que estão por detrás das mensagens, programas e campanhas veiculadas pela televisão é fundamental identificar as relações de poder nos sistemas de comunicação.

“Não basta saber quem controla um determinado veículo, mas torna-se importante descobrir a teia de compromissos dos seus proprietários, pois assim é possível analisar com maior precisão o seu comportamento comunicativo”¹.

Nesse contexto, onde se pode encaixar o mito do “interesse público” evocado pelas empresas de comunicação em geral? Ora, se o sistema no qual os meios de comunicação operam é o capitalista, antes dos interesses, expectativas e aspirações da coletividade a que servem esses veículos, estão as conveniências sociais a que seu dono se vincula e as vantagens particulares.
Mas, detectar, provar essas relações de poder não é uma tarefa das mais fáceis. Há toda uma mística do segredo que, normalmente as protege de se tornarem de domínio público, Além disso, existe uma organização jurídica peculiar às
atividades empresariais e que permite a criação de diferentes empresas por uma
mesma pessoa ou por um mesmo grupo. As vinculações no plano institucional,
também, nem sempre são explícitas. E, as pessoas que possuem informações
importantes receiam comprometer-se ou confiar-se a repassar essas informações
Dessa maneira, apesar de muito se especular sobre as relações de poder, essa é

uma área nebulosa, onde se torna difícil fazer comparações. É bem mais fácil detectar as relações de poder no plano político do que no econômico, mesmo porque o primeiro tem suas relações muitas vezes tornadas públicas e notórias pelo envolvimento dos proprietários e dirigentes de emissoras com o sistema governamental.

O Sistema de Concessões

Assim como nos EUA, o sistema brasileiro de televisão pertence ao Estado, mas sua exploração é concedida a particulares ou a instituições públicas. Disso forma, se é o Estado, o seu representante quem concede o direito à exploração de um dado canal a uma dada pessoa ou instituição esse mecanismo das concessões contém naturalmente o ingrediente autoritário, que permite o controle por parte do grupo que detém o poder de Estado. Isso significa, então, que quem recebe essas concessões sãos os setores empresariais ou estatuais de confiança do governo federal. Ora, mas as concessões são realizadas mediante concorrência pública, poder-se-ia argumentar, mas isso apenas serve para conferir uma roupagem legal e um caráter democrático, porque baseadas na competição, afigura-se evidente que as próprias normas estabelecidas para a escolha dos concessionários já possuem endereço certo, o que equivale a dizer que as personalidades ou empresas não afinadas com os eventuais donos do poder estão excluídos da possibilidade de operar canais de TV.
Dessa forma, surge uma relação de dependência entre os que recebem a concessão e os detentores de poder político. E isso se intensifica devido ao fato de as concessões serem periódicas e possíveis de cancelamento.
Uma vez que os interesses empresariais recomendam evitar possíveis confrontações com os agentes estatais que possam redundar num prejuízo econômico para a empresa, os veículos são submetidos a uma censura prévia. Essa variável dispõe de um caráter vigoroso, pelo fato de a censura ser praticada sem regras permanentes, mutáveis de acordo com as circunstâncias institucionais.
Na medida em que a distribuição de concessões não é feita apenas de acordo com critérios técnicos, a relação de poder já se estabelece no próprio ato da concessão do canal. Quem detém uma concessão, ou já integra o conjunto de sustentação do poder estabelecido, ou compromete-se a tal.


Uma nova tecnologia_ digital

A TV Digital foi uma tecnologia bastante aguardada no mercado de consumo mundial. Quando se fala em TV digital logo se imagina o casamento ideal entre duas das mais fantásticas invenções já realizadas pelo homem: a televisão e o computador. A TV seria um terminal capaz de realizar ao mesmo tempo funções diversas como lazer e serviços on-line e interativo. Dessa forma, esse novo aparelho digital seria uma espécie de produto que representaria uma milionária reserva de mercado e lucro. Mas o que se verifica é que o ocorrido não foi como o imaginário dos empresários do ramo esperavam. A implantação mundial da TV Digital pode ser considerada um case contemporâneo de fracasso comercial.
Em 1996 , na maior feira mundial de produção e programação de televisão, em Cannes, era lançada a TV Digital da MIP TV. Na época, era alarmada a revolução tecnológica que o novo produto representaria. Protótipos foram apresentados em luxuosos stands de TVs japonesas em parceria com a sony. Enquanto isso a internet e a informática estavam engatinhando no Brasil e no mundo. E de lá pra cá pouca coisa mudou em relação a TV Digital.
Apesar de alguns países terem desenvolvido formatos e padrões próprios, o usuário não transformou a empolgação tecnológica em compras. Na verdade, muito se investiu na nova tecnologia e pouco se lucrou com ela, até agora.
E esse é um conflito que somente agora passa a ser mais detalhadamente analisado, afinal a TV Digital é um produto com enorme potencial mercadológico, cuja compreensão se aviva atualmente.
Para se resolver tal problema, imaginou-se que bastaria escolher entre um dos três formatos de televisão existentes: o japonês (ISDB), o americano (ATSC) ou o europeu (DVB). Ma essa decisão traz consigo o peso das organizações internacionais na pressão por conquistar um mercado do porte do Brasil para seu bloco, sem falar na divergência interna da preferência dos diversos setores envolvidos na adoção do sistema. O padrão americano não permite a transmissão da TV digital móvel, que vai no carro, no barco, no trem, no ônibus, e muito menos permite a transmissão portátil, que vai para o celular. Por outro lado. o sistema europeu faz a transmissão móvel/portátil, mas faz isso usando o canal da telefonia celular, ou seja, você vai ter de pagar para receber a imagem no celular. Mas o presidente Luís Inácio Lula da Silva deixou claro que tem de ser de graça para todo mundo, então também não pode ser usado o sistema europeu. Dessa forma, optou-se por criar um sistema baseado no japonês, que seria o sistema americano e sistema europeu corrigidos.
No Brasil, os estudos para implantação da TV Digital foram conduzidos pela Anatel e cpqd, ligados ao Governo federal e pela SET/Abert, entidade representativa das empresas de comunicação, e se iniciou desde o governo Fernando Henrique Cardoso, porém a decisão sobre formatos e legislação foi repassada para o governo Lula.
É necessário que se tenha claro que as plataformas existentes no mundo de TV Digital representam os interesses de grupos privados internacionais apoiados por forte lobby dos seus governantes. Os padrões técnicos desenvolvidos são para atender mercados próprios, mas não estão obtendo sucesso nos países de origem. Para se ter uma idéia, nos Estados Unidos, existem mais transmissores digitais que receptores. E no Japão, a transmissão digital pelo ar ainda não começou e a por satélite é um fracasso comercial.
”A aplicação dos sistemas existentes, o mercado potencial de equipamentos, a conseqüente prestação de serviços, a geração de uma nova infra-estrutura industrial, os compromissos de isonomia e reciprocidade tecnológica e a expectativa dos usuários brasileiros em relação à TV Digital são os pontos-chave da discussão sobre que sistema deve ser adotado em nosso País”.¹

É certo que a implantação da TV Digital no Brasil não terá custo baixo, afinal terão que ser adquiridas novas tecnologias. Dessa forma, resta uma pergunta: quem vai pagar a conta?
A idéia é que inicialmente elas serão pagas pelas próprias emissoras de televisão, que investirão cerca de U$ 1,7 bilhão em dez anos. Esse dinheiro será destinado à substituição de transmissores e antenas, equipamentos de gravação e edição bem como recursos técnicos e de produção oriundos da oferta de novos serviços. Mas esta é a opinião dos grupos empresariais de comunicação e da indústria de equipamentos e de aparelhos receptores.porem os representantes de entidades e associações ligadas à sociedade civil não pensam da mesma forma. E muito menos o Governo Federal, que se posicionou claramente pela adoção de um padrão nacional de TV Digital, que evite dependência tecnológica com o pagamento de royalties e licenças e que permita o desenvolvimento da indústria tecnológica nacional através da pesquisa e desenvolvimento voltados para a fabricação de equipamentos e prestação de serviços técnicos.
Essa conta, na verdade, será paga pela própria população, afinal, mais de 60 milhões de aparelhos de televisão deverão ser substituídos ou adaptados com unidades conversoras (Set Top Box), para compatibilizar a recepção digital com aparelhos analógicos. Um mercado potencial de U$ 10 bilhões.
Dessa forma, o Governo determinou uma política governamental com objetivos para a TV Digital brasileira que, na teoria, atende aos anseios da população: ela será aberta, livre e gratuita para o usuário final, na modalidade exclusiva de radiodifusão. Oferecerá interatividade ao menor custo de produção de equipamentos, programas e serviços. E permitirá a pluralidade nos conteúdos das programações. Mas nada disso funcionará em excelência se não vier acompanhado de políticas de inclusão digital para a população. Afinal, toda essa empolgação proporcionada pela nova mídia atinge a grande maioria dos brasileiros, porém não se pode esquecer que o Brasil ainda engatinha no processo de inclusão digital de seus jovens e adultos. Inúmeras pessoas que não possuem ou nem mesmo têm acesso a tal aparelho nem aos recursos que ele oferece, tais como a internet.
Caso o documento que foi entregue à Casa Civil não seja apenas mais um pedaço de papel assinado pelos feitores da lei e cumpra com suas propostas, a inclusão digital será prioridade, além do desenvolvimento de tecnologias brasileiras, da otimização do uso do espectro, da contribuição para a convergência tecnológica e do desenvolvimento de um sistema que atenda às necessidades sociais e econômicas dos outros países da América Latina.
Talvez uma das questões mais importantes quando se fala no processo de implantação da TV Digital no Brasil se refira ao posicionamento que ele passa assumir em relação aos seus vizinhos da América Latina e, também em relação ao mundo. O Brasil, como sendo o quarto país em numero de usuários de televisão, com cerca de 60 milhões de aparelhos instalados, ao assumir publicamente este posicionamento, toma a dianteira em um processo arrojado de gestão pública sobre a área tecnológica. Principalmente ao combinar esta posição à decisão já tomada de apoiar a implementação de recursos de plataformas e softwares livres para a estrutura administrativa governamental, utilizando-se de sua posição privilegiada que possui nesse setor ao lado da China, Índia, Rússia e outros países, com os quais divide a vanguarda na pesquisa de formatos e padrões digitais próprios bem como a adoção de programas não proprietários na administração pública. É certo que a implantação de um padrão brasileiro de TV Digital vai incentivar a criação da infra-estrutura necessária de softwares e hardwares, acelerando de forma diferenciada o desenvolvimento da indústria de tecnologia no Brasil. Isso, de certo contribuirá para que o Brasil desponte definitivamente como um pólo nessa área. Dessa forma, parece óbvio que as autoridades responsáveis pela definição de políticas públicas federais na área tecnológica devem aproveitar este momento para promover um amplo debate sobre a diversificação de conteúdos na TV Digital.
Esta é, sem dúvida a grande questão dessa nova tecnologia no Brasil. É fato que, numa população de analfabetos tecnológicos como a brasileira, a possibilidade de poder contar com uma variedade muito maior de canais, de programação e a maior qualidade de imagem e som terão maior importância do que a sofistificação na interatividade de serviços que dão a possibilidade de multiplicar o alcance de canais e opções de programação. E com isso não se está tendo uma visão preconceituosa da população brasileira, mas a verdade é que isso se explica devido ao fato de que a quase totalidade dos telespectadores nunca teve como usufruir as vantagens da TV por assinatura. Dessa forma, para os brasileiros das classes C, D e E acessar centenas de canais através dos seus próprios aparelhos de televisão analógicos adaptados aos conversores set top box interessa muito mais que a possibilidade de abrir e-mails ou fazer compras pela TV. Isso porque o telespectador não tem o mesmo perfil do usuário do computador. Sendo assim, mais do que simplesmente oferecer inúmeros serviços à população, a TV Digital terá que refletir sobre como envolver as pessoas com esses novos serviços e como não ofuscar o bem sucedido mercado do entretenimento.
O debate para viabilizar a TV Digital no Brasil terá muito mais elementos ligados à satisfação das demandas da mídia televisiva que os da conectividade e interatividade, afinal existem atualmente instalados no país mais de 60 milhões de aparelhos televisivos nas casas em ambientes variados, enquanto que o numero de computadores é bem menor: cerca de 16 milhões, e destes não se sabe quantos estão nas casas dos brasileiros ou em estabelecimentos outros. Fica claro, então, que o computador vive um estágio mercadológico bem diferente da televisão. E a compreensão desse dado é fundamental para a indústria, para o setor público e para a sociedade, principalmente quando se objetiva introduzir num país de analfabetos digitais uma nova tecnologia que requer certo conhecimento desse tipo. Há uma enorme necessidade de tratar a inclusão digital como autêntico serviço público, gratuito quando for o caso e voltado para a garantia de um direito essencial de todo o cidadão. É fato indiscutível a capacidade da inclusão digital promover o acesso à educação e à cultura, bem como a inserção na economia em seus vários segmentos. “Governo e sociedade deveriam aproveitar esta oportunidade de transformação tecnológica para finalmente criar um mercado de televisão plural e democrático, que incentive as produções audiovisuais em todas as regiões e afirme nosso País como pólo soberano de criação cultural e intelectual. A implantação da TV Digital deve permitir o surgimento de uma nova televisão. E não, apenas, de um novo eletrodoméstico”¹.


Outro aspecto que deve ser levado em conta quando se passa a supor a relação que o espectador brasileiro passará a ter com a nova tecnologia é em relação ao uso que ele fará da variedade de programação que se supõe que existirá em breve. Claro que não se deve subestimar a capacidade do cidadão brasileiro de escolher uma programação de qualidade como alternativa à informação generalizada e aos bens culturais. Mas essa é uma preocupaçao pertinente. Porém, pouco pode ser feito a esse respeito, afinal a legislaçao brasileira garante liberdade total à pessoa do telespectador. Pode-se, como aliá já é feito, indicar para quais espectadores o programa é indicado, mas nao privar alguém de asisti-lo. Dessa forma, o importante é que a programaçao televisiva deixe de priorizar o mero entrenimento para investir maciçamente em atividades culturais e educativas capazes de aumentar o nível de conhecimento do espectador e fomentar seu espírito crítico e participativo.
Não basta apenas sustentar ao cidadão o direito democrático de assistir ao que ele quiser, com alta definiçao e som de excelência, é importante também que se invista numa grade mais voltada para a realidade nacional e regional com alto padrão de qualidade produzida pelo maior leque possível de agentes.
Com a tv Digital o telespectador vai poder também viabilizar operações bancárias, como consultas a saldos e extratos, transferências de valores e aplicações, por meio de uma TV Digital, mas com atuação técnica e regulatória. Essa comodidade foi desenvolvida pelo cpqd (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações) e será chamada de cpqd T-banking. Por considerar a enorme penetração da TV nas casas das famílias brasileiras, isso provocou uma enorme corrida dos bancos para que este novo canal de serviços entre no ar assim que as transmissões de TV Digital se iniciem. Afinal, o cpqd T-banking é uma ferramenta de alto valor agregado, que tende a complementar os canais de serviços de auto-atendimento já existentes, como a internet, o telefone e os caixas eletrônicos, o telespectador poderá, então, com essa nova tecnologia, realizar operações bancárias com o controle remoto, sentado no sofá. Tal comodidade proporcionará que as pessoas acessem serviços bancários de qualquer lugar que possua um aparelho de TV, no horário de conveniência, com facilidade e segurança.
Outro ponto destacável em relação ao formato brasileiro de TV Digital diz respeito a possibilidade de o espectador poder gravar certos programas. O governo não cedeu à pressão dos radiodifusores, que queriam instalar a um bloqueador nos receptores, a fim de impedir a gravação de alguns programas. As emissoras, claro, alegavam que essa medida visaria impossibilitar que houvesse comércio ilegal de cópias, pirataria., pois as cópias teriam uma qualidade muito boa, com excelente imagem e áudio e ao uso dos bloqueadores garantiriam que fossem respeitados os direitos autorais dos programas, novelas, filmes e etc. exibidos.
Mas, se a TV é aberta, não se pode impedir o cidadão de gravar vídeos, programas, e etc. para seu uso pessoal. Mas isso não implica na liberdade das pessoas de reproduzirem e comercializarem os produtos. Cabendo à legislação de direitos autorais vigente punir os infratores como crime de pirataria.
Todas as normas referentes à TV Digital devem ser seguidas pelas produtoras de conteúdo e pelos fabricantes de televisores e dos aparelhos conversores de sinais digitais em analógicos (set top boxes).
Os Set Top Boxes permitirão, além da citada melhora significativa na qualidade da imagem, a possibilidade de p telespectador escolher se vai assistir a um filme na língua original ou dublado e se a legenda será em português ou em outro idioma.
Também para os deficientes auditivos haverá uma importante mudança. Eles poderão acionar um ícone eletrônico que traduzirá os programas de TV para a Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Haverá também a incorporação de tecnologias brasileiras, como o compressor de vídeo (H264), que vai permitir que no espaço de um canal possam ser transmitidos até oito canais. Também será incorporado o codificador de áudio (AAC3), que permitirá que o som seja ouvido como em um "hometheater".
Sem dúvida é muito bom que a população possa gravar os materiais veiculados pelo novo meio. Mas ainad há outros problemas a serem solucionados. A data prevista para que a TV Digital comece a operar inicialmente em São Paulo e depois no restante do Brasil se aproxima (02/12/2007) e o brasileiro não contará ainda com o principal atrativo da nova tecnologia: a interatividade. O brasileiro ainda terá que esperar um pouco mais para poder acessar e-mails e consultar dados do INSS e FGTS pela TV.
Na verdade, sequer foi decidido ainda qual será o grau de interatividade dos conversores que farão a conversão dos sinais digitais em analógicos, permitindo que os telespectadores continuem usando o televisor que já possuem.
Há que se levar em consideração que um conversor muito complexo pode elevar o preço do produto para a população, mas por outro lado, um aparelho muito simples implicará na sua necessária troca tempos depois. Nesse sentido, há uma corrida para evitar que, com o desenvolvimento da interatividade, os consumidores tenham que comprar um segundo conversor. O desafio de pesquisadores e da indústria é desenvolver um set-top box (conversor) que permita a adição de novos aplicativos, sem que seja necessário a compra de outro aparelho.
Talvez a mais expressiva das decisões tomadas em relação à política da TV Digital diga respeito à expansão dos créditos para que possa atender às emissoras de pequeno porte. Para o financiamento da compra de equipamentos com tecnologia digital O limite mínimo de crédito diminuiu para as pequenas emissoras, que passou para R$ 400 mil e também para as grandes, que passou de R$100 milhões para a metade.
Essa é uma medida importante, pois proporcionará que grande parte da tecnologia envolvida na nova TV seja utilizada. Afinal, a tecnologia da TV Digital possibilita que inúmeros canais sejam abertos. Dessa forma, acabará a política de concessão, pois mesmo depois que todas as TVs comercias existentes no Brasil forem atendidas, ainda haverá cerca de 80% de espaço livre para ser usado pelas outras emissoras.

“a redução vai atender, principalmente, as empresas do interior do País, favorecendo a implantação mais rápida e mais ampla da TV digital no Brasil”¹.


Outro aspecto importante e que não pode ser deixado de lado é a política de investimento só para TVs Educativas, Comunitárias e Universitárias.

“as TVs comunitarias e universitárias vão passar a ser canais abertos durante a implantação da TV Digital, por meio do Canal da Cidadania.infelizmente esses não chegam à população , só para quem tem canal fechado, pago. Uma linha especial de financiameto vai permitir que esse canais sejam abertos, verdadeiramente democráticos”.




Referências bibliográficas



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